terça-feira, 26 de junho de 2007

Os cem dias do governo Yeda

Os cem dias do governo Yeda. Uma análise. Entrevista especial com Maria Izabel Noll para o Jornal do Instituto Humanitas da Unisinos.
Há quatro meses à frente do Rio Grande do Sul, o programa político de
Yeda Crusius tem gerado muita insatisfação e preocupação ao povo gaúcho. Além disso, a base aliada que ajudou a governadora está em constante conflito. Para onde caminha o Estado? Como ficarão as questões da saúde, da segurança e da educação? O que há de novo no novo jeito de governar que Yeda prometeu? Essas questões foram respondidas e analisadas pela cientista política Maria Izabel Noll em entrevista, por telefone, à IHU On-Line.
Maria Izabel Noll avalia as políticas econômica e pública desempenhadas nesses meses por
Yeda. Fala ainda dos conflitos que a aliança montada para elegê-la tem gerado e, principalmente, das críticas internas liderada pelo seu vice-governador, Paulo Feijó. Compara também o governo de Yeda como o de Germano Rigotto, e, brevemente, às políticas dos ex-governadores Britto e Simon e com os governos de seus colegas de partido, José Serra e Aécio Neves. Para a cientista política, “há certa timidez nessa perspectiva de o governo dizer que tem um projeto, que quer transformar o Estado” e afirma que não vê horizontes nesse projeto.
Maria Izabel Noll é doutora em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professora e pesquisadora desta mesma universidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a sua avaliação das medidas econômicas que a governadora Yeda tem implementado no Estado nesses quase cinco meses de gestão?
Maria Izabel Noll – Houve um marco aí dos cem dias que serviu de referência àquela crise da segurança. O Governo do Estado precisa ser pensado a partir de duas perspectivas. A primeira é que a aliança levou a governadora, ou o PSDB, ao Governo do Estado. Na realidade, a polarização tradicional em termos partidários existia, muito mais, entre PMDB e PT. A polarização que se esperava no jogo eleitoral era um enfrentamento entre o PT, o partido de centro-esquerda mais representativo do Estado, com um partido de centro-direita, representado pelo PMDB, na figura de Rigotto (1). Esperava-se uma reeleição e tudo aquilo que estava mais ou menos previsto. E o que aconteceu? Aconteceu, na época, o que se chamou de reviravolta, uma mudança nessa polarização. E a governadora entrou como uma terceira força, colocando-se, em termos de discurso, como uma nova experiência, alguém que nunca tinha estado no governo, e assim poderia fugir do tradicional com o seu “um novo jeito de governar”.Por um lado, isso tinha uma dimensão de novidade. Por outro, já vinha embutida nessa perspectiva uma dificuldade que não está ligada propriamente à imagem da governadora ou a outras lideranças, que é a dificuldade de um pequeno partido ser o núcleo central de uma aliança. Inclusive, fazem parte dessa aliança outros partidos maiores, como o ex-PFL (atual democrata) e o PDT, ou seja, partidos que entraram nessa aliança e que têm, em termos Estaduais, um significado, uma força maior do que o partido central, que é o partido da Governadora [o PSDB]. E isso significa problema, porque o partido que é um núcleo da aliança precisa ter, além de um peso, uma abrangência maior e, inclusive, em termos de quadro político-partidários, um significado maior, o que não é o caso. Então, este foi, desde o início, um dos problemas desta aliança que se formou para o governo da Yeda Crusius.
IHU On-Line – E, a partir dessa aliança problemática, o que o Estado passou a assistir?
Maria Izabel Noll – Em primeiro lugar, com a questão da segurança, passados aqueles três meses, criou-se um problema com o PDT. Um partido que tradicionalmente tem um peso grande na política do Rio Grande do Sul obviamente iria querer fatias maiores de poder dentro dessa aliança. Segundo problema: o partido do vice-governador (2). Foi feita uma aliança em termos partidários e, na idéia de ampliar inclusive nesse campo do empresariado, colocou-se uma pessoa que não possui um perfil de militância política, de política partidária. Ele é um empresário, que discorda frontalmente da pessoa da governadora, seja em termos políticos, seja em termos pessoais. Então, essa foi uma outra fonte de conflito. O vice deve ser extremamente integrado a esse núcleo duro e ele age como um substituto do governador. Isso indica que ele não pode querer adquirir uma personalidade própria.Um político como Eliseu Santos (3), vice do Fogaça (4), é, por exemplo, alguém que possui uma atuação muito marcante, mas devidamente dentro dos padrões da prefeitura, ou seja, ele não está assumindo uma personalidade própria. Por sua vez, o governo da Yeda tem essa fonte constante de conflito. Hoje [esta entrevista foi realizada no dia 27 de abril de 2007] está na capa da Zero Hora uma frase bombástica (5) desse vice-governador, que pode ter razões para algumas coisas, mas que não está ciente ou devidamente enquadrado dentro do papel que ele assumiu, que é aquele que substitui o governador. Então, surge um vice que significa um risco. Ontem, na Assembléia, ele afirmou: “A governadora não sai porque tem medo do que eu possa fazer se eu assumir o lugar dela”. Isso é um negócio inadmissível. Então, esse é um ponto de conflito e eu não sei até quando ela vai conseguir administrar esse problema político muito complicado e que é uma fonte de desgaste constante.
IHU On-Line – Esse é o maior problema que ela está enfrentando?
Maria Izabel Noll – Ela tem, imediatamente, dois pontos: um é a questão da aliança político-partidária que ela fez para se viabilizar em termos eleitorais. O outro diz respeito, especificamente, aos democratas que, na figura do vice-governador, têm se constituído numa fonte de conflito constante. A questão é mais complicada por razões de ordem institucional. Não é nada específico do governo Yeda, ou seja, já deu para sentir nos governos anteriores e provavelmente sentiremos nos próximos. É o que diz respeito a todos os governos estaduais, a partir da constituição da Constituição de 1988, que teve explicitamente um projeto de descentralização política, de revalorização do município, onde foi possível restabelecer a idéia de federalismo (6), onde o Estado, como ente federativo, perdeu poder. Hoje em dia, existe muito mais um vínculo entre a União e os municípios. Não é a toa que hoje os prefeitos têm um papel muito mais visível: estão todos os dias na mídia, em Brasília, quando Lula os convoca.Além disso, as prefeituras recebem muito mais recursos do que recebiam há 20, 30 anos atrás e que se transformaram realmente um ente federativo. Com isso, o Estado perdeu poder e transformou-se quase num repassador de recursos, o que lhe tirou poder político. A não ser com estados que realmente apresentam uma autonomia muito grande, como São Paulo, por exemplo. Não se vê ninguém dizer que o Serra (7) não tem poder político, porque ele tem. Mas isso acontece em estados que possuem muito recurso. O Rio Grande do Sul já teve uma economia mais promissora, abrindo-se agora em termos de agronegócio, mas é um Estado que durante muito tempo teve problemas econômicos complicados, inclusive de saber qual seu perfil econômico. E também alguns bloqueios em termos de atrair capital, de atrair empresas.Claro que estivemos nos comparando a estados pequenos como Tocantins e Piauí. O Rio Grande do Sul tem uma importância sim, um passado, toda uma tradição. Agora, é um Estado que há 15, 20 anos tem problemas de projetos econômicos, de definir o seu perfil e de recursos, porque está bloqueado em termos de fazer investimentos importantes nessa área de infra-estrutura, de fazer investimentos pesados que ficaram profundamente amarrados pela negociação da dívida. Os outros estados também estão, mas no Rio Grande do Sul particularmente há um estrangulamento no que se refere à questão da negociação da dívida. Então, é um Estado que vem já há muitos governos, eu diria já desde o Governo Britto (8) com um problema desses, que, de certa forma, foi sendo empurrado com a barriga.Para a governadora que tem um projeto onde entram investimentos, onde a idéia de atrair capital de empresas do setor privado depende muito de uma melhoria de infra-estrutura, se não esse negócio amarra, é bloqueado. Então, há uma questão institucional de fundo e que não vai ser resolvida nem a curto nem a médio prazo: é a negociação da dívida, junto com a capacidade de investimento, com a definição de um perfil econômico para o nosso Estado. Precisamos saber quais os setores que o Estado vai priorizar, ou se vai simplesmente colocar-se como um administrador.De certa maneira, quase que caminhando no sentido contrário ao da Política Federal, onde há investimentos pesados no setor social, educacional, há, ao mesmo tempo, essa moldura em que a União tem um acesso mais direto aos municípios e pode dar-se ao luxo de passar por cima do Estado.
IHU On-Line - O que ficou para o Estado, como ente federativo, poder trabalhar?
Maria Izabel Noll – A questão da segurança, onde também há uma pressão muito grande de municipalizar. Muitos municípios, inclusive, já fizeram isso. Para a grande política, no sentido de pensar em investimentos de infra-estrutura, faltam recursos. Então, há um bloqueio, muito complicado, de recursos e a situação é difícil. É muito difícil saber, com esse bloqueio de recursos, como o governo vai circular. Essa é a perspectiva mais econômica.
IHU On-Line - E a perspectiva política?
Maria Izabel Noll – Ela passa pela questão das alianças do PSDB, como um pequeno partido, com pequenos quadros, com uma experiência muito reduzida e com uma aliança muito heterogênea e, ao mesmo tempo, com partidos que têm um peso muito grande, como o PDT, que já esteve no governo, que tem muitos líderes e com uma trajetória muito diferenciada, com ideologias diferentes do PSDB, mas que terminaram fazendo alianças por razões eleitorais. Então, esse foi uma outra fonte de conflito. Outros partidos poderão também se incompatibilizar, como o PTB. Isso está em aberto, pois trata-se de uma aliança complicada.
IHU On-Line – Tivemos muita polêmica na área de segurança. Como a senhora avalia a atuação de Enio Bacci e como ficará a segurança nas mãos de José Francisco Mallmann?
Maria Izabel Noll – Realmente a minha avaliação é mais impressionista do que qualquer coisa. A política de segurança, da forma como toda a coisa tem sido levada, tornou-se, talvez, a preocupação central da população. Em alguns momentos foi a inflação, em outros foi o desemprego. Hoje a segurança é o grande tema. Então, conseqüentemente, os governos não podem ignorar essa questão. Então, o que aconteceu? A segurança no nosso caso aqui tem sido, especialmente, de uma política estadual, não tendo acontecido o que no Rio de Janeiro está mais evidente, com uma vinculação federal. E também não tem sido cogitada a questão da municipalização. Então, a segurança tem sido o elemento mais presente de uma política verdadeiramente de responsabilidade do Estado. Como é uma secretaria que tem muita visibilidade, houve politicamente a atuação do Enio Bacci, que é um político e não um técnico, tendo sido ele requisitado para administrar tecnicamente. Ele é representante de um partido e foi para a secretaria para fazer política. E a forma como ele tratou a questão da segurança foi política.
IHU On-Line – E qual é a diferença dele em relação ao Mallmann?
Maria Izabel Noll – Ele, como um funcionário, como alguém da Polícia Federal, vai administrar de forma mais técnica, fazendo-se, aqui, uma avaliação muito superficial e muito precoce do que vai ser a atuação dele. Agora, a visibilidade de uma secretaria como essa dificilmente deixará passar impune qualquer ação mais mirabolante. Claro que no caso do Bacci havia um uso político, pois ele é um político, é um deputado. E, antes de tudo, ele estava lá por indicação de partido e como um político. Ele agiu dessa forma e é a forma como ele sabe agir.
IHU On-Line – E o que a senhora acha da forma como Bacci saiu?
Maria Izabel Noll – A forma como foi tratada a mudança toda e a saída de Bacci foi muito mais política do que qualquer outra coisa. Nesse caso, a busca de um técnico, de alguém que não tenha um vínculo político, foi a busca de uma solução técnica para um problema que a governadora provavelmente viu que se tratado de forma política causava problema, ou pelo menos não ia naquela direção que a lhe interessava. Então, eu acho que essa é uma calibragem que ela tem feito. Tudo dentro de um certo estilo, de uma certa maneira de fazer, que muda radicalmente.
IHU On-Line – Como a senhora compara o Governo Rigotto com o Governo Yeda?
Maria Izabel Noll – É, absolutamente, como a água e o azeite. O Rigotto era o negociador, o anti-conflitos; mostrava uma imagem que eleitoralmente o viabilizou. E a Yeda não: ela é um estilo de governo que quer impor a sua marca, que quer dizer: “Eu faço dessa forma e não gosto que seja de outra”. O grau de negociação dentro do qual ela age é muito menor.
IHU On-Line - E qual a conseqüência disto?
Maria Izabel Noll – O numero de conflitos são maiores.
IHU On-Line - Como a senhora avalia a gestão de Yeda do ponto de vista da educação?
Maria Izabel Noll – A educação tem dois pontos: o primeiro é pensar a educação, como ela está tentando. A pessoa que ela colocou na Secretaria da Educação (9) é uma pessoa conhecida, tem larga experiência, e sei que ela levou pessoas bastante influentes para trabalhar com ela. Isso no que diz respeito ao grande projeto de uma outra questão complicada. Educação é um campo onde precisa haver investimento. Não há educação sem disposição de investimento e investimento a fundo perdido. E a impressão que me dá é que essa educação e esse investimento a fundo perdido estão sendo feitos muito mais por cima, entre União e município, e muito menos por uma estratégia de governo estadual. O governo estadual está agindo quase como se fosse como um bombeiro, tentando apagar focos de incêndio. Por exemplo: se faltam "x" professores, então vamos fazer o remanejo, que sempre é um processo traumático. Isso aconteceu também no governo Simon (10), quando foram remanejados todos os professores. E isso quebrou uma lógica e uma articulação que, necessariamente, nem sempre dá certo. Eu acho que esse processo é novo e está em curso e sempre é um processo traumático. O certo é que, por parte do governo estadual, nem a educação nem a saúde vão receber grandes investimentos, porque não são prioridades e porque não há recursos para isso.
IHU On-Line – Não há chances dessa política pública melhorar?
Maria Izabel Noll – Essa política pública pode melhorar sim, por razões que fogem à questão estadual, que é o repasse direto ao município, porque aí sim existem projetos, políticas, outros pontos que vão poder dar conta de indiretamente beneficiar o Estado. Acho que a política estadual está muito presa à renegociação da dívida, e a idéia de como resolver a questão da segurança pública e o resto vai ser deixado ao sabor da circunstância.
IHU On-Line – Como tornar mais rentáveis aquelas fontes de que o Estado ainda dispõe?
Maria Izabel Noll – Com a abertura de capital do Banrisul, visivelmente compactar secretarias e órgãos. Há uma estratégia muito forte de ordem fiscal para ver como administrar isso do que propriamente a idéia de implementação de políticas públicas. Eu não vejo, em curto prazo, a idéia de haver um grande projeto de investimentos, porque o Estado vai jogar pesado. Podemos dizer o seguinte: o Estado não vai fazer isso porque está com recursos escassos. Por outro lado, nenhum governo pode privar-se da idéia de dizer que pretende fazer isso ou aquilo. Há certa timidez nessa perspectiva de o governo dizer que tem um projeto, que quer transformar o Estado, mas não vejo no horizonte esse projeto. A preocupação, atual e exclusiva, é fiscal, o que o torna um governo de apagar incêndio. Falta um projeto definido de dizer que o novo modo de governar da governadora ainda se constitui em algo que está vazio de conteúdo.
IHU On-Line – Então, para a senhora, o que é esse novo modo de governar?Maria Izabel Noll – Por enquanto, tem sido administrar fiscalmente os recursos do Estado e tentar, junto ao Governo Federal, ganhos maiores e tentar minimamente renegociar. E isso não é fácil, porque toda negociação política requer muita habilidade, abertura, concessão e talvez a nossa governadora, de todos as figuras do PSDB que estão no governo, leia-se o Serra, Aécio (11), é a que possui uma perspectiva mais estrita e menos flexível com o Governo Federal. Não sei se isso é bom em termos de administração. Estando no governo, a questão partidária deve ficar muito mais restrita a um segundo plano e o governador precisa ser o governo que trabalha o interesse do conjunto do Estado. Isso ainda não mostrou muito bem até que ponto está sendo impeditivo ou está sendo positivo.
Notas:
(1) Germano Rigotto: Foi governador do estado do Rio Grande do Sul entre 1 de janeiro de 2003 e 1 de janeiro de 2007. No seu mandato, a economia do Estado obteve fraco desempenho, principalmente em virtude da diminuição da cotação do dólar no mercado nacional que prejudicou as exportações do Estado, causada pelo aumento das exportações nacionais.
(2) Paulo Feijó: Vice-governador do Rio Grande do Sul.
(3) Eliseu Santos: atual vice-prefeito da cidade de Porto Alegre. É médico, formado na Faculdade de Medicina da UFRGS.
(4) José Fogaça: É, desde janeiro de 2005, prefeito da cidade de Porto Alegre. Formado em Direito pela PUC-RS.
(5) A capa de Zero Hora do dia 27 de abril de 2007 traz a seguinte manchete: “Feijó ataca Banrisul e Piratini o chama de desequilibrado”.
(6) Federalismo: é uma forma de governo que consiste na reunião de vários Estados num só, cada qual com certa independência, autonomia interna, mas obedecendo todos a uma Constituição única.
(7) José Serra: atual governador do estado de São Paulo.
(8) Antônio Britto: é um jornalista e executivo brasileiro, que exerceu os cargos de deputado federal, ministro da República e governador do estado do Rio Grande do Sul (1995-1999)
(9) Mariza Abreu: Atual secretária de Educação do Estado. Foi secretária de educação do município de Caxias do Sul.
(10) Pedro Simon: é um advogado, professor universitário e político brasileiro. É atualmente senador pelo estado do Rio Grande do Sul, filiado ao PMDB. Foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul (1987-1990).
(11) Aécio Neves: Foi deputado federal por Minas Gerais e presidente da Câmara Federal no biênio 2001/2002. Em 2002, foi eleito governador do estado de Minas Gerais em primeiro turno e reeleito em 2006 também no primeiro turno.

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